No mesmo dia em que entraram em vigor novas taxas de importação sobre produtos de China, Canadá e México, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que a partir do próximo dia 2 de abril, o país colocará em ação um novo sistema de tarifas recíprocas. “Tudo aquilo que os países nos tributem, nós os tributaremos de volta. Se eles fizerem tarifas não monetárias para nos manter fora do mercado deles, então nós faremos barreiras não monetárias para mantê-los fora do nosso mercado”, disse o republicano em seu primeiro discurso no Congresso americano no segundo mandato à frente da Casa Branca.
Com a afirmação de que “a América está de volta”, Trump defendeu que as tarifas tornam os Estados Unidos “ricos novamente”. “Não se trata apenas de proteger os empregos norte-americanos. Elas protegem a alma do nosso país”, destacou Trump. Desde ontem, passou a vigorar no país taxas de 25% sobre todos os produtos importados do México e do Canadá (à exceção de energia e combustível canadenses), além de uma nova alíquota de 10% sobre outra no mesmo percentual já aplicada desde o início de fevereiro sobre produtos chineses.
O republicano ainda reforçou que busca defender os interesses dos produtores rurais do país, com tarifas sobre produtos agrícolas estrangeiros e o estímulo para que agricultores de fora comecem a produzir no país, também a partir do próximo dia 2 de abril. Também falou sobre o crescimento da indústria automobilística, com a inauguração de novas fábricas, como uma anunciada pela Honda do estado de Indiana, que terão estímulos para atuar no país. “É uma palavra bonita a ‘tarifa’. Acho que nós teremos uma grande explosão, no bom sentido, na indústria automobilística”, destacou.
Em seu discurso, Trump ainda defendeu a necessidade de atrair empresas estrangeiras e bilionários para os EUA, o que será impulsionado pela confecção de “gold cards”, que seriam uma espécie de “green cards” para os magnatas terem liberdade de se estabelecer no país. Com os investimentos, a ideia, segundo o presidente, é pagar toda a dívida externa do país e equilibrar as contas em um futuro próximo. “São pessoas que muitas vezes saíram de universidades ótimas e elas podem ficar aqui e trazer muito sucesso. Vamos trazer pessoas que criam emprego e pessoas brilhantes. Elas vão trazer dinheiro e vamos pagar nossa dívida com esse dinheiro”, destacou.
Na avaliação de especialistas, o presidente estaria levando ao extremo o discurso de campanha simbolizado pela inscrição “Maga” (Make America Great Again, ou fazer a américa grande novamente, na tradução). “Infelizmente para o Trump, a gente não vive mais uma situação onde a economia americana é totalmente dominante. Então, hoje, há polos de crescimento e de organização de articulações de comércio internacionais que são alternativos aos Estados Unidos”, considera Geraldo Biasoto, especialista em Contas Públicas.
Para o analista, Trump joga um jogo de altíssimo risco do ponto de vista da organização de comércio global. Além disso, o presidente estaria jogando uma cartada imensa na organização das grandes corporações do mundo, além das norte-americanas, pelo fato de que algumas delas distribuem sua produção por outros países. “No fundo, o Trump está falando assim: ‘Não produza aço no Brasil e venha produzir aqui nos Estados Unidos’. Mas isso não é tão simples de articular, assim”, explica o especialista.
Desta forma, ele acredita que a política de Trump pode “esborrachar” a economia americana mais ainda, além de dar impulso a organizações de mercados regionais e a políticas da própria China, como rota da Seda na Europa e na América Latina. “Isso tudo vai florescer a partir dessa ‘maluquice’ que o Trump está fazendo. Então, é um jogo de poder e um jogo de altíssimo risco nesse momento da economia americana”, complementa Biasoto.
O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas completa que o tarifaço está dentro de uma política de reordenamento da influência mundial dos Estados Unidos, que busca reocupar a posição de país líder e hegemônico, de maneira isolada. “Vários países opinam sobre o sistema internacional, o que, em linhas gerais, é a proposta da ONU. Então você tem vários países no Conselho de Segurança e todos os países que desejarem e atenderem os critérios podem pertencer à Assembleia Geral. O que o presidente está dizendo é: ‘Não, nós somos mais importantes do que qualquer país que esteja no Conselho de Segurança e que qualquer país da Assembleia Geral’”, considera Caldas.
A iniciativa, então, seria uma tentativa de levar o mundo para um novo sistema unipolar. “Ou seja, o que o Trump está fazendo, na verdade, não é aumentando as tarifas. Ele está tentando impor uma nova ordem internacional sob a liderança dos Estados Unidos. Essa é a minha visão e a minha explicação sobre esse tarifaço nos três principais parceiros comerciais dos Estados Unidos”, acrescenta.
Já para o professor de Economia Internacional pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Masimo Della Justina, a medida de elevar tarifas contra os principais parceiros comerciais do país pode ser uma espécie de ‘tiro no próprio pé’, visto que no curto ou médio prazo, algumas matérias-primas que forem taxadas pelos EUA podem gerar um efeito de cadeia, encarecendo outros itens produzidos dentro do país e, dessa forma, intensificando a inflação.
“Para que, então, iniciar uma política desse tipo, se você sabe que, pela história econômica, você vai colher inflação e alguns benefícios que não vão compensar e se, eventualmente, você pode pagar um preço político também?”, analisa o professor. Sobre a divisão de percepções sobre a natureza das políticas de Trump, o especialista avalia que “toda a tarifa de importação ou todo imposto de importação, tudo que acaba perturbando o fluxo de entrada e de saída de produtos, é uma medida protecionista”, pontua.
Sobre a posição a ser adotada pelos países mais atingidos pelo Tarifaço, Masimo Della Justina avalia que, apesar da facilidade de logística e geografia, no caso de Canadá e México, é necessário ter em mente que ambos dois países têm outras opções de parceria comercial. “Eu classificaria a medida como não muito inteligente, porque dentro da própria experiência econômica, ela pode não atingir os objetivos que se quer, que é favorecer a produção interna, manter os preços baixos, etc. Isso não acontece. Eu classificaria, em primeira mão, como uma bravata eleitoral”, considera.
O professor acrescenta que, se Canadá e México diminuírem a exportação de minerais e commodities do agronegócio para os Estados Unidos, e se a Casa Branca não impor a mesma medida protecionista, na mesma agressividade que ela impôs contra esses país, isso pode se tornar uma oportunidade para o Brasil aumentar as exportações para o país norte-americano. “Então, em resumo, mesmo com tarifas contra o Brasil, o Brasil tem que ser inteligente o suficiente para fazer mais parcerias nessa acomodação, nessa logística nova de suprimentos com os países que vão ser afetados de forma negativa”, completa.